Já faz alguns anos estreitei amizade com o desembargador Valério Chaves, mas o conheci pessoalmente desde que ingressei na magistratura, no final de 1997. A nossa admiração e respeito recíprocos independe de visitas, reverências, troca de confetes e rapapés. Foi se consolidando aos poucos, notadamente após sua aposentadoria, quando ele completou setenta anos de idade. Vez que outra ele me envia artigos e crônicas, e até mesmo pequenos ensaios, para publicação em meu blog, o que muito me honra.
Por sinal, em seu último texto publicado em nosso blog, em que ele discorre sobre algumas figuras históricas importantes da antiguidade clássica, entre as quais Marco Túlio Cícero, cravei o seguinte comentário:
“O amigo afirma não perder a esperança de ver um mundo melhor. Isso é um grande remédio em tempos de uma praga sem vacina e sem remédio eficaz. E quase diria sem consolo, exceto Deus.
Se perdermos a esperança, talvez percamos a cabeça, como Cícero, o grande tribuno, orador e político evocado em seu belo texto, que literalmente perdeu a sua, trucidado por soldados sob as ordens de Marco Antônio, que a exibiu como um troféu no Fórum Romano.”
Ele nasceu em Guadalupe, no povoado Cocal, que hoje integra o município de Porto Alegre (PI), em 28 de abril de 1941. Formou-se em Direito em 1975 (UFPI). Após ter exercido o jornalismo e a advocacia, ingressou na magistratura em 1980, evidentemente através de concurso público de provas e títulos. Foi juiz substituto em várias Comarcas, e titular nas de Alto Longá, Luzilândia, Oeiras e Teresina, até ser alçado a desembargador, cuja posse administrativa ocorreu em 19 de novembro de 2007.
O livro “Poder Judiciário do Piauí – 116 anos de história”, da autoria do saudoso Dinavan Fernandes, paraibano de Campina Grande, mas que se radicou no Piauí por quase 50 anos, até sua morte em 24/10/2016, jornalista e mago da fotografia, principalmente de eventos e retratos, informa o seguinte: “Além da judicatura, o Desembargador Valério Chaves exerce intensa atividade literária com publicação de artigos, crônicas, poesias e livros sobre temas da atualidade. É membro da União Brasileira de Escritores e da Academia de Letras da Magistratura Piauiense, ocupando a cadeira 26.” A seguir, enumera diversas obras de sua autoria, de doutrina e de assuntos jurídicos.
Apenas como curiosidade, registro a informação contida no livro “Alberto Silva: 100 limites” (pág. 102), da autoria de Cid de Castro Dias, um dos principais responsáveis pela fiscalização das obras de construção do Estádio Governador Alberto Silva (Albertão), sobre cuja importante obra historiográfica já escrevi um pequeno ensaio, publicado em vários sítios internéticos, de que Valério Chaves, além de radialista e jornalista, era o locutor oficial da FAGEP – Fundação de Assistência aos Desportos do Piauí, que administrara a construção da grande praça futebolí ;stica.< /span>
Como uma homenagem ao valoroso magistrado e homem de letras Valério Chaves, julgo oportuno transpor para as páginas deste Diário covidiano, o que sobre ele disse na crônica “Memórias e ‘causos’ do Des. Valério Chaves”, no ensejo da leitura de seu livro de memórias titulado “Casos de Justiça e outras histórias que a vida conta”, publicada na internet em 16/03/2016:
“Na semana passada, ao caminhar no calçadão da Raul Lopes, em companhia dos magistrados Raimundo Lima, Carlos Barbosa, Antônio Lopes, des. Boson Paes e o funcionário da Justiça estadual Luís Américo Campelo, encontrei o des. inativo Valério Chaves, que nos convidou a acompanhá-lo até seu carro, estacionado do outro lado da avenida.
Recebemos então, devidamente autografado, seu mais recente livro, titulado “Casos de Justiça e outras histórias que a vida conta”. Ao que tudo indica, o desembargador, em sua humildade e certa timidez, não fez estardalhaço de sua obra e não a lançou em solenidade festiva. Simplesmente a editou e a está distribuindo a pessoas de sua estima e consideração, além de parentes e amigos.
Sem óculos no momento, não pude, de imediato, ler a simpática e amável dedicatória que ele me havia feito, o que só fiz ao chegar em casa. O livro, de 173 páginas, bem impresso, contém suas memórias, sobretudo as de sua meninice, adolescência e parte da juventude, e um conjunto alentado de “causos” jocosos, sérios ou interessantes, dos quais ele foi protagonista, coadjuvante ou observador, muitas vezes em decorrência de sua função judicante.
O des. Valério Chaves é uma das figuras paradigmáticas do Poder Judiciário Piauiense, pela sua notória honradez e probidade, e por sua humildade; humildade de quem nunca procurou ser honrado pelas vestes talares que envergou, mas de quem procurou honrar a toga que vestiu. Exerceu a magistratura, tanto no primeiro como no segundo grau, com inteligência emocional e sabedoria de vida, creio que hauridas e aperfeiçoadas ao longo de sua vida.
Nasceu no povoado Cocal, então município de Guadalupe, em 28 de abril de 1941, filho de Fernando Pereira Pinto e Dorcas Ferreira Pinto, que lhe ensinou as primeiras letras. Na cidade de Nova Iorque (MA), em 1957, concluiu o primário. Dois anos depois seguiu para Teresina, onde prestou o serviço militar.
Como podemos perceber da leitura de seu livro, mormente em suas memórias, estampadas na parte introdutória, mas também em várias crônicas de caráter memorialístico, em que narra episódios interessantes e algumas vezes pungentes de sua trajetória, foi um menino e um adolescente pobre, que muito cedo teve de trabalhar, no amanho da terra e no pastoreio das poucas “criações” de seu pai.
Contou esses episódios com sobriedade, sem dramaticidade, sem se atribuir status de herói. Mas de fato ele foi um herói do cotidiano, da luta renhida pela sobrevivência e para obter as suas conquistas. Sua escalada foi lenta e gradual, sem atropelos e açodamentos, porque desprovido de ganância e infenso a querer subir a qualquer preço. Por isso mesmo encerrou sua carreira como um magistrado digno e respeitado.
“Casos de Justiça e outras histórias que a vida conta” nos dão exemplos de vida, nas diferentes etapas da trajetória de seu autor, desde a infância modesta, em que foi chamado, para honra sua, de menino lenhador, de adolescente aguerrido no trabalho e no estudo, até o final da juventude em que, com muito esforço e obstinação, foi amealhando as suas conquistas, especialmente no jornalismo, no radialismo e na magistratura piauiense.”
Até o advento da pandemia, apresentava na TV Assembleia – canal 16, juntamente com o desembargador Edvaldo Moura, o programa “Justiça às suas ordens”, em que tive a honra de ser entrevistado, cujo vídeo, de 26 minutos, pode ser visto através do You Tube. Nessa entrevista, além de aspectos relacionados à minha carreira de juiz, falei de questões literárias, culturais, artísticas, éticas e, sobretudo, ambientais.
Para ilustrar e melhor demonstrar como é a sua personalidade, tanto como ser humano assim como na condição de julgador, desejo contar um breve episódio, que, de certa forma, provoquei.
Creio que o fato tenha ocorrido em 2008 ou no ano seguinte. Um operário humilde trabalhou em minha casa, fazendo pequenos reparos em serviço de pedreiro. Muito educado e já idoso, contou que seu filho se encontrava preso há quase um ano, sem nunca haver sido julgado. Aduziu que, salvo engano de minha parte, a defensoria pública impetrara algum tipo de recurso para que ele fosse posto em liberdade. Contou que seu filho, sob o efeito de bebida alcoólica, resolvera dar umas voltas numa bicicleta que se encontrava estacionada, mas sem intenção de furtá-la; apenas como uma espécie de brincadeira ou aventura de um jovem embriagado. Informou que o processo se encontrava no gabinete do Des. Valério Chaves.
Indo tratar de assuntos relativos a minha comarca no Tribunal de Justiça, embora um tanto constrangido, ainda mais porque na época eu pouco o conhecia, resolvi me dirigir a seu gabinete. Eu tinha a informação de que ele era um tanto rigoroso, embora muito correto, e sempre no intuito de efetivamente agir com justiça. De qualquer sorte, eu nada iria lhe pedir, muito menos algo indevido ou espúrio.
Assim, com o devido cuidado, pedi para lhe expor um fato de que tomara conhecimento. Ao fim da exposição, lhe esclareci que ficasse totalmente à vontade para fazer o que a sua consciência e o seu senso de justiça mandassem, à luz, claro, de nosso ordenamento jurídico e jurisprudência. Acrescentei que melhor para o jovem preso, talvez, teria sido ser condenado de imediato, sem audiência e sem exames de provas, já que seria beneficiado pela substituição de pena privativa de liberdade por uma outra, em que estaria gozando de sua liberdade.
Valério Chaves me ouviu com atenção e cortesia. Não teve gestos e nem palavras denotativos de emoção ou expansividade, sempre calmo e contido. Apenas prometeu que examinaria o caso à luz dos autos. Dois ou três dias depois, o rapaz foi posto em liberdade.
Finalizando esta nota, que já se vai alongando, devo dizer que, afora seus notórios conhecimentos jurídicos e gerais e seus méritos literários, Valério Chaves, além de tudo um ser humano digno e bom, avesso a empáfias e ostentações, era um verdadeiro julgador, não adstrito apenas ao formalismo dos ritos e das leis, mas que tinha, sobretudo, o espírito de efetivamente fazer justiça e reparar injustiças.