A quem interessa calar os Juízes?

20 de fevereiro de 2018
Autor: Juiz Thiago Brandão de Almeida, Presidente da AMAPI

Nos últimos tempos, nos noticiários e nas redes sociais, temos assistido, com certa perplexidade, a uma campanha deliberada contra o Judiciário e seus membros. Direitos e prerrogativas constitucionais são tratados como benefícios, decisões são colocadas em xeque, magistrados são constrangidos publicamente, enfim, uma verdadeira cruzada de desmonte à carreira da Magistratura se mostra cada vez mais forte perante a opinião pública.

A situação é delicada a tal ponto que até a forma de o magistrado conduzir uma audiência de instrução e julgamento ou uma audiência de custódia é questionada, como se o juiz não tivesse, por dever de ofício, em estrita obediência a preceito de Lei, a fazer perguntas diversas ao acusado, inclusive sobre sua vida privada, qualquer que seja a acusação que lhe seja imputada, sendo este interrogatório fundamental, tanto para a defesa do réu, como para a decisão final do processo.

Isso porque no sistema brasileiro de apuração de crimes, o magistrado não se atém tão somente a proferir o veredito de “culpado” ou “inocente”, mas também, se julgando procedente o pedido do Ministério Público, deverá passar por um detalhado exame a respeito de qual pena deverá ser imposta ao caso sob julgamento. Não se trata, absolutamente, de sadismo ou sarcasmo, muito menos de hipocrisia: tão somente de cumprimento de preceito legal. Sim, infelizmente até isso está sendo imputado aos magistrados.

Ora, é função do juiz ouvir acusação e defesa, dirimir dúvidas e, de posse das mais consistentes informações, tomar decisões para garantir a aplicação da Lei e restabelecer a paz social. Portanto, perguntar, questionar, saber detalhes, garantir às partes a oportunidade de produção das provas são, por óbvio, procedimentos comuns às audiências judiciais, afinal o objetivo é tentar pacificar o conflito, produzir prova oral, promover o debate e, ao final, decidir a causa.

E aí está o “X” da questão: decidir. O juiz tem o dever constitucional de tomar decisões e, diretamente, influenciar na vida das pessoas. E essas decisões são tomadas com base na Lei e nas convicções do magistrado, pautando-se também pelos princípios constitucionais e proferindo decisão que melhor arbitre o conflito. Portanto, não há pergunta que não possa ser feita quando se trata da responsabilidade de decidir sobre vidas.

Obviamente, nós, magistrados, bem como qualquer servidor público e cidadão, não estamos imunes a críticas. A manifestação de pensamento e liberdade de expressão são direitos constitucionais e pilares de uma democracia forte. No entanto, a campanha difamatória contra o Judiciário tem-se mostrado tão fora do tom que chegamos a questionar: a quem interessa um Judiciário enfraquecido e desmoralizado?

Coincidentemente, esse movimento é feito de forma organizada, justo no momento em que o Poder Judiciário começa a se centralizar na decisão sobre as grandes questões nacionais, combatendo de maneira firme práticas nefastas pelas cúpulas. Essa onda difamatória se acentua à medida que este Poder protagoniza, junto com o Ministério Público, importante e fundamental trabalho de combate à corrupção no país. Tanto que, via de regra, a questão ostenta contornos políticos, quando, em meio à crise, surgem propostas que visam enfraquecer ainda mais as carreiras, como a PEC do Abuso de Autoridade. Em resumo, a proposta visa transformar o juiz em réu, apenas por cumprir o seu dever de julgar. Uma clara tentativa de intimidação e amordaçamento, um risco para a democracia e para o Estado Democrático de Direito.

Mas não podemos dizer que estranhamos esse fenômeno: ainda em novembro de 2016, em evento científico de magistrados ocorrido no estado da Bahia, o ex-integrante da Suprema Corte Italiana, Gherardo Colombo, um dos protagonistas nos julgamentos dos processos envolvendo a Operação Mãos Limpas, asseverou que no Brasil poderia acontecer o mesmo que ocorrera na Itália, após o desmanche de inúmeras organizações criminosas que gravitavam em torno do Poder Central: uma orquestrada campanha de ataque aos juízes, para lhes retirar a credibilidade, assim como o fora feito com a classe política.

Por isso, é importante frisar o ideal que defendemos, enquanto cidadãos, que a construção de uma sociedade livre e justa exige um Judiciário forte e independente. E isso somente será possível se for assegurada não apenas aos juízes, mas aos promotores e procuradores, a liberdade para agir e julgar conforme seus entendimentos, devidamente fundamentados no ordenamento jurídico e, aos insatisfeitos, um recurso adequado para possível desfazimento de equívocos.

Certo é que estaremos vigilantes para que as tentativas de se silenciar a Justiça não sejam concretizadas, contra qualquer movimento cujo objetivo seja desestabilizar ou atacar as missões constitucionais dos juízes, quais sejam, a defesa da sociedade e do Estado Democrático de Direito, buscando julgar e distribuir justiça, sem ceder a qualquer tipo de intimidação.

 

Thiago Brandão de Almeida

Juiz de Direito e Presidente da Associação dos Magistrados Piauienses

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