A juíza Mariana Marinho Machado, titular da Vara Única de Itainópolis (PI), é uma das mulheres em destaque na matéria especial do Correio Braziliense em alusão ao Dia da Mulher. Confira o material, que trata da história de mulheres de sucesso em diferentes carreiras.
“Pois não, sou a juíza”
“A magistratura me escolheu, não fui eu que a escolhi.”
É assim que Mariana Marinho Machado, 35 anos, começa a contar sua história. A juíza titular da comarca de Itainópolis, no interior do Piauí, rompe preconceitos, e é uma força em ascensão na Justiça brasileira. Natural de Salvador (BA), Mariana vem de um berço de mulheres inspiradoras, que a ensinaram a mostrar sua voz e seu lugar na sociedade.
A avó, Wanda Azevedo Marinho, 86, que ela carinhosamente chama de “fonte de todo meu amor”, batalhou para a filha, Vera Lúcia Marinho Machado, 60, estudar na capital baiana durante a faculdade. Na época, foi a única do grupo de amigas da adolescência a fazer isso. Vera Lúcia se formou em odontologia e abriu caminhos para que a filha caçula, no futuro, se espelhasse nela. “Mulher arretada, minha fonte de inspiração diária”, define Mariana.
Em muitas ocasiões, a magistrada negra causou espanto pela posição que ocupa. “Já aconteceu de pessoas entrarem no meu gabinete e acharem que sou assessora. Uma vez, eu estava sentada, e alguém chegou querendo falar com o juiz. Eu respondi: pois não, sou a juíza. Já brinquei de girar a cadeira e dizer: pronto, a juíza está aqui”, relata. Mariana conta que nunca sofreu racismo de forma explícita, mas confessa que seus funcionários enfrentaram casos de assédio moral por parte de pessoas com quem trabalhava de forma indireta, numa tentativa de atingir a juíza. “Em Brasília, em alguns órgãos, aconteceu de me pedirem identidade funcional, mesmo eu estando bem vestida e de acordo com a ocasião.
É com bom humor, garra e responsabilidade que a baiana trilhou os caminhos do Judiciário em uma trajetória vitoriosa. Aos 19 anos, Mariana ingressou na Universidade Federal da Bahia (UFBA), para cursar jornalismo, até que fez um teste de vocação profissional e descobriu que o direito também a agradava. Então, resolveu cursar, também, direito na Universidade Católica de Salvador (UCSal). Durante dois anos, fazia uma faculdade de dia e outra de noite, até passar em um concurso de estágio de direito do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA), a partir daí trancou a faculdade de jornalismo. Depois, foi para o Ministério Público da Bahia (MPBA) como estagiária. Mariana se formou em 2009. Por meio de uma seleção, ou “por mérito”, como ela gosta de falar, o procurador de Justiça Franklin Ourives a escolheu para trabalhar como assessora pessoal dele. “Ele foi um dos primeiros chefes negros que eu tive e é um segundo pai para mim. Foi uma oportunidade profissional única, em que aprendi muito e desenvolvi a escrita”, afirma Mariana sobre a chance.
Ela foi aprovada para o cargo de juiz em 2012, sem cotas, apesar de defender e achar necessária a reserva de vagas para negros. Mariana passou nos Tribunais de Justiça do Pará (TJPA) e do Piauí (TJPI), onde atua.
“Amo o que eu faço, não me vejo em outra profissão. Tem todas as dificuldades de falta de material, de servidores… Além disso, ser juíza no interior não é fácil, é diferente de ser juíza no Distrito Federal, que é a capital da Justiça e de todos os órgãos”, compara. “Mas, para mim, não tem preço ver as pessoas, principalmente as que passam mais dificuldades, dizendo que achavam que a Justiça não existia para pobres e negros e, hoje, acreditarem nela”, reflete.
Qualificada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), a magistrada também dá aulas para concurso de procuradores de municípios do cursinho on-line E3C, de Teresina. Pensando em tornar mais acessível o estudo e compartilhar um pouco do que faz profissionalmente, ela criou recentemente o perfil no Instagram @TogaEmVoga. Na plataforma, são constantes as postagens com a hashtag #MagistraturaPorAmor. Mariana faz questão de informar que não é coach. “As pessoas vivem me pedindo coaching para passar em concurso”, brinca.
Amor e incentivo
A magistrada tem uma equipe de 10 servidores e faz questão de exaltá-los. “Juiz nenhum é juiz sozinho. Se eu der uma sentença e os servidores não publicarem, não enviarem, não intimarem os envolvidos, não tem eficácia nenhuma”, afirma. A humildade torna Mariana querida por onde passa. Ela guarda com muito carinho na lembrança os momentos que passou na comarca onde trabalhou antes, na cidade de Pimenteiras (PI). Também foram marcantes um jantar oferecido em sua homenagem, por seus colaboradores da comarca de Pimenteiras (PI), e a ocasião em que recebeu o título de cidadã honorária de Itainópolis (PI), na última quinta-feira (5) de março de 2020. Na ocasião da solenidade em que recebeu o título de cidadã honorária, a jurista falou sobre feminicídio e violência doméstica.
Machismo enraizado
“Se não fosse o apoio da minha família, eu não conseguiria realizar tantos sonhos”, assegura. Casada com o advogado Moacir Nascimento Júnior, ela desabafa que uma das maiores dificuldades é conciliar a vida pessoal e profissional, já que ambas exigem muito dela. Aos fins de semana, Mariana enfrenta uma viagem de 365 km até Teresina para ficar com o marido, que, por sua vez, sempre que a agenda permite, vai para Itainópolis.
Devido a realidade social que a cerca, Mariana acredita que sofre muito mais com o machismo do que com o racismo. “Volta e meia me perguntam se meu marido me deixa trabalhar, já que ele fica na capital e eu venho sozinha para o interior”, diz. “Uma vez, eu estava passando mal, meu marido veio me buscar e disse que escutou um homem dizendo que ele era corajoso por ter se casado com uma juíza.“No Piauí, o machismo é grande, é uma sociedade em que muitas mulheres ainda não têm vida profissional. Magistradas aqui não chegam nem a 70 entre os quase 300 juízes”, constata. Em 2001, a jurista Ellen Gracie Northfleet foi a primeira mulher a ser ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Mariana, é essencial que a resolução n° 255/2018 do Conselho Nacional de Justiça, que busca valorizar e incentivar a mulher no âmbito da magistratura e a participação feminina no Poder Judiciário, seja executada em plenitude.
Caminho judicial
Mariana percebe que há mais obstáculos para o gênero feminino conquistar reconhecimento no exercício de um cargo de autoridade. “No começo, foi mais difícil, eu era uma mulher jovem. Tinha 27 anos quando cheguei para assumir a magistratura com toda aquela carga de responsabilidade de ser a juíza que chegou para ‘resolver a cidade’. Além disso, sou negra e, querendo ou não, o racismo institucional existe na nossa sociedade.” Mariana percebeu as suspeitas que pairavam sobre ela. “As pessoas, mesmo que fosse sem querer, acabam pensando: será que ela tem competência para assumir aquele cargo?” Para mostrar seu valor, Mariana não apelou para a briga. “É aí que entra a importância do mérito: eu nunca fui de discutir ou de bater de frente com quem possa ter desconfiado do meu mérito para ser magistrada”, afirma. “A melhor forma de nós combatermos isso é mostrando nosso trabalho e o nosso lugar”, garante.
A vara única de Itainópolis, pela qual Mariana é responsável, envolve três cidades. “Eu lido com processos que vão de crime até casos de família”, ilustra.
A juíza também chama a atenção para casos de reconhecimento de paternidade e adoção unilateral. “Por trás de um pedido de pensão alimentícia, tem todo o abandono emocional. Nós vemos que o filho, às vezes, não quer nem o dinheiro da pensão em si, mas, sim, o reconhecimento de afetividade por parte um genitor que ficou anos afastado”, reflete.
Fonte: Correio Braziliense
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